Sexo e Complexo

O complexo do ser humano, inerente à forma física, nunca foi tão evidenciado como agora. O sexo, mesmo diante das imposições estabelecidas pela igreja e pelos conceitos enraizados na sociedade, já foi mais bem vivido que na atualidade. A humanidade já curtiu mais as suas delícias e com menos problemática. O termo “deleite” era bem definido e o que contava eram as sensações maravilhosas que um sexo sem amarras é capaz de proporcionar.

O gordo era gordo e o magro era magro. O feio era feio mesmo e o que importava na verdade era a disponibilidade das pessoas, diante das dificuldades que os valores das épocas passadas impunham em poder viver os prazeres da carne. Da carne humana, esta era a questão.

Hoje, em vista das dificuldades que colocamos em nos relacionarmos intimamente com alguém, ficamos mais suscetíveis a complexos sobre os nossos corpos até pelo fato de compensarmos na comida, os nossos anseios e frustrações. É uma bola de neve, um círculo vicioso, um sem fim de “achismos” e desculpas. Comemos porque não damos conta, não damos conta porque comemos muito. Engordamos e não nos amamos e assim não podemos amar o outro. Vivemos em opulência e em confluência com um poder que não nos satisfaz e não nos enobrece. Podemos muito e nada ao mesmo tempo. Podemos muito, mas no maior dos nossos anseios, no mais verdadeiro, que é a felicidade através do amor, não nos completamos.

Podemos tanto, compramos tanto. Compramos transformações para nossos corpos e rostos. Transformamo-nos em estranhos para nós mesmos. Alteramos nossa beleza natural em busca da apreciação do outro a quem desejamos, mesmo sem que ele manifeste a necessidade de alterarmos algo em nós. Conhecendo-o ou não. Compramos objetos para ostentar e conquistar.

Falamos de sexo e do quanto somos capazes de fazê-lo da melhor maneira possível, entretanto ao depararmo-nos com o instante verdadeiro, com o parceiro que tanto buscamos e que até conquistamos, nosso complexo de inferioridade, perante alguma dificuldade de aparência ou comportamento, nos impede e bloqueia, privando-nos e privando quem de nós esperava somente bons momentos.

Deixamos a mente entrar em tudo. Deixamos nosso ego interferir em todos os canais de nossas vidas. No sexo então, nem se fala. Deixamos que a mente boicote qualquer tentativa de nos entregarmos de corpo e alma a momentos que nos fortaleceriam e nos aprontariam para um dia a dia maçante. E, logo agora, que dele sabemos tanto, falamos tanto, e temos tanta liberdade para usufruir.

Antigamente, o negócio era transar e não tinha essa de a pessoa estar fora de forma não. O que era, tempos atrás, estar fora de forma? Era gordinha, mas tinha outros atributos. Era magrelo, mas era inteligente, simpático e tudo era motivo para se relacionar. Nariguda, mas engraçadinha. Era tímido, mas cativante, talvez misterioso. Era faladeira, mas fogosa. Namoro, noivado, casamento e infidelidade, eram algo que tinha que acontecer e pronto. Dava-se um jeito.

Hoje, são tantas exigências, que mesmo quando estamos super a fim de alguém, se este alguém não obedece aos moldes estabelecidos pela mídia que dita a beleza física ou a “lisura” de comportamento, nos afastamos e nos privamos de vivenciar uma relação que poderia ser deliciosa, muito mais preocupados com o que vão dizer de nós, que com o que vamos sentir de verdade. Nem cogito aqui a possibilidade de agir-se instintivamente. O que é isso? Não. Mas levanto a questão da leveza, da alegria de viver, do desprendimento e da vontade inexorável de ser feliz. Era tão simples a definição de feliz neste sentido. Nem tinha definição. Era-se ou não.

Sentimo-nos bem ao lado de uma pessoa, gostamos de vários traços de seu perfil, ficamos em paz, rimos, gostamos do beijo, sentimos tesão e a pessoa, nem está tão longe do tal padrão assim, mas… O que vão dizer se me virem nesta companhia?

Ou então, estamos super a fim de alguém. Gostamos da companhia, confiamos, a química bate incomensuravelmente, rimos juntos, desejamos, mas… Será que a outra pessoa, à qual julgamos estar com tudo em cima, não vai se afastar de nós ao deparar com nossa realidade na intimidade. Às vezes uma bobagem, um detalhe que poderia ser perfeitamente compensado com um conjunto de atitudes que encantariam alguém e o complexado, se priva e priva o outro de momentos que certamente só os dois poderiam viver juntos.

O complexado se detém em algum ponto de seu corpo que julga estar fora do padrão e acha que todo mundo percebe este ponto, rejeitando-o. Acha-se inculto, pobre ou qualquer bobagem dessa natureza. Não enxerga sua essência e dela desconhece componentes que certamente agradariam muito.

O complexado tem ainda a terrível mania de atribuir ao outro a responsabilidade pelo fracasso da relação. Na conquista, esmera-se em atenção, atitudes e falas (falaciosas) que cativam – estou meio fora de forma, porque trabalho demais, mas já estou malhando e fazendo dieta e logo serei especial para você – e depois, na intimidade, não podendo mais disfarçar seu complexo e inércia diante da própria vida, se nega a compartilhar com entrega verdadeira e desprendida, gerando para o casal conflitos indecifráveis. O complexado, geralmente é relaxado. Claro que toda regra tem exceção.

O complexado ainda pode ser inseguro e orgulhoso. Ele quer, mas pensa que não pode. Ele pensa que não pode e não busca ajuda, não busca entendimento para as dificuldades e em sua falta de humildade, gera todo tipo de confusão possível, culpando o outro pela falta de felicidade entre os dois. Quero ter alguém, quero um sexo bom e prazeroso, mas não quero ter trabalho algum com isto, então encontro “um cristo” para dizer que não sou feliz por causa dele e condeno-o a ser tão infeliz quanto eu. Sugo todas as suas energias, transformo-o em um vegetal, mantenho-o em cativeiro e para a sociedade, está tudo bem. Eu tenho alguém. Tem bobo pra tudo. Tem mesmo. Mas também tem muita gente que “dá o grito”. Se você é bem resolvido e caiu nessa armadilha, dê o seu grito perante um “vampirão” dessa natureza.

A pessoa que reconhece em si, uma beleza aquém dos padrões e que é humilde e verdadeira, não se acomoda e busca incansavelmente maneiras de suprir suas necessidades e limitações neste contexto. Isto é honesto. Pessoas assim fazem terapia, dieta, ginástica, lipoaspiração, e tudo o que precisam para se sentirem bem e viverem em plenitude com alguém. Pessoas honestas colocam-se em pé de igualdade. Pessoas honestas não culpam Deus e o mundo por seus anseios e fracassos. “Correm atrás”.

A vida foi feita para ser vivida. As complicações que engendramos servem somente para mascarar as facetas do complexo que desenvolvemos e para o qual negligenciamos na busca de sua cura.

Atração sexual é algo que sentimos através do belo, é verdade, mas o belo é efêmero e esta atração não vingará se for somente baseada neste preceito. O belo é valor de cada um. Existe todo um conjunto de ações, de gestos, de gostos, de visões e compreensões, que ditam a ordem do desejo. Quantas pessoas lindas, não são rejeitadas por seus parceiros em vista de um comportamento que traumatiza e bloqueia psicologicamente a relação?

Beleza é alguma coisa próxima, mas bem próxima mesmo, do que te gera bem estar. Sexo bom é algo que nos tranquiliza a alma, que faz o peito bater forte e o ventre pulsar independente do que a vista alcança. O cheiro conta e o som da voz também. O toque das mãos e da pele, o movimento dos corpos, a dedicação em fazer o outro feliz, o desprendimento. Um ângulo bem apreciado, uma parte do corpo fora do conjunto. Contudo, nada disso pode ser reconhecido antes que um casal tenha vencido as primeiras barreiras. Você nunca se sentiu diante de um boneco de plástico, após uma conquista rápida e calcada no que os olhos enxergam rapidamente?

Se você tem algum complexo, acredite na beleza que o outro vê em você, acredite quando alguém disser que você é o que ele deseja. Acredite que o outro é muito mais que o que seus olhos podem ver. Acredite que o outro é a sua vontade, manifestada em bem estar diante dele. Acredite que o outro deve ser para você somente o que importa para você.

Padrões não foram feitos para serem seguidos. Padrões foram criados para vender coisas. Padrões existem para fazer sofrer, amarrar, tolher. Para enquadrar tolos. Padrões são desculpas para aqueles que não tecem sua própria existência. Desculpas para adiar felicidade, responsabilidade, prazer, encontro, paz.

Ame-se. Ame em Paz.

Este artigo também é publicado no portal ACESSA.COM

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