Maduramente bem amados
Pois é, estamos no trem indo pra Amsterdam. Valeu uma vida, valeu uma longa boa, má, linda, triste, normal e intensa vida até aqui.
Sim, estamos saindo de Londres, da alegria de rever os dias do ano passado quando estive sozinha de corpo, mas que ele, a milhas de distância, viveu comigo. Rever as pessoas passadas que ficaram no coração, guardadas em gratidão, foi uma missão para esse retorno. Meu coração tem dessas manias. Ele coleciona afetos e que chique, de uns tempos pra cá, pelo mundo afora. Meu amor, vem comigo. Vem ver o ser humano espalhado pela ilusão de que, em cada ponto da estrada, encontraremos alguém melhor do que nós próprios.
Estamos juntos nessa jornada chamada amor, em que tentamos seguir um modelo imposto de convivência entre homens e mulheres que aprenderam num passado não muito distante que felicidade, o devir eterno, seria isto, andar de mãos dadas, dormir junto todos os dias, amar apenas aquele corpo com total fidelidade e ser e aparentar ser para o mundo que tudo isso seria para sempre. Então, agora estamos juntos para aprender que todas as formas de amor e de felicidade capazes de manter o mundo em paz, são lindas e bem vindas.
Sim, beijamos na boca apesar dos anos adquiridos. Sim, amamos tanto quanto desejamos e quanto nos é permitido, ainda que de uma forma impressionante algumas pessoas ao nosso redor julguem isso desnecessário ou até mesmo ridículo. Uma vez, uma pobre coitada senhora, ao ver uma foto de um casal maduro que se amava beijando na boca disse aos que estavam ali, vendo as fotos do casal: “Acho ridículo, casal de velhos beijar na boca“. Fui para o banheiro chorar de raiva e de pena dela. Era um casal maduro sim, que naquele momento pensaram ter encontrado a felicidade. E felicidade é bem isso. Felicidade é você, naquele momento, acreditar que é feliz. Isso me marcou tanto, que hoje, mesmo vendo alguns casais maduros beijando na boca, eu, em casal, podendo beijar na boca do meu homem, ou lamentando pelos que não fazem isto, não esqueci. Bom, mas a vida segue comigo madura, beijando na boca. Felizmente.
Eu estava aqui pensando, digitando, nesse trem, andando de costas, fingindo não estar vendo meu bem me fotografar o quanto sou feliz, fingindo não estar vendo meu bem me fotografar enquanto escrevo. Ele, lindo, praticando fotografia. Maduro, vivido, sofrido, com tantas histórias e tão disposto a ser feliz. Às vezes tão mais disposto do que eu, outras menos, mas juntos, tentando registrar a vida a partir de nós e através de um olhar que espera ao menos mais 20 anos desses, em que a gente acredita que pode ser feliz para sempre. Sabe, felicidade pode ser isso mesmo. Acreditar que nesse momento a gente é plenamente feliz.
Você tem um amor? Tem um companheiro bacana com muita ou alguma afinidade? Sai por aí. Tira os pés do chão ao menos um pouquinho. Pra ir aonde? Sei lá. Vai até onde vocês acreditaram que a felicidade estava um dia, unindo vocês em corpo e desejo sincero de seguirem. Vai, convida seu amor pra irem por aí. Vai até a esquina tomar um chopp ou três até se virem rindo, até esquecerem que alguém possa achar ridículo aquele beijo na boca que rolou. Vai pra dentro quarto, tranca a porta e deixa rolar. Vai pra Europa, Jericoacoara, ou sei lá. Para de acumular. Vai até aquele lugar onde exista algum encantamento, aquele que não pode faltar para um casal permanecer junto. Vocês se esqueceram de manter uma dose essencial de encantamento? E ainda estão juntos? Oba, então ainda da tempo de se reconquistarem ou de escolherem não viver juntos até o fim, e mal. De escolherem seguirem em voo solo, mas felizes. De viverem a sobreviverem. Todo mundo tem direito a isto. Todos nós temos.
Tá, mas você seguiu com ele até aqui, não foi? Tudo encaminhado, missão cumprida com a família, com o trabalho, dinheirinho na conta, muito ou pouco. Resguardando as devidas proporções, por favor, pegue a mão do seu parceiro e põe o pé na estrada. Além de fazerem coisas legais juntos, com maturidade, sabedoria e respeito ainda da para cada um fazer o que gosta. Olha eu escrevendo aqui, ele estudando fotografia ali, aproveitando uma viagem de trem de quatro horas.
Nessas escapadas, a gente esquece o passado, as tentativas fracassadas. Tenta esquecer também algum desafeto, alguma injustiça ou mal querer de um entorno ignorante que não pode enxergar o nosso direito a felicidade em par, independente da responsabilidade que assumimos ao formarmos famílias e gerarmos parentes infelizmente dependentes de nós.
Aliás, essa é uma boa reflexão. Quantas pessoas maduras deixam de viver felizes em par por se aterem, se preocuparem ou atenderem a anseios egoísticos de filhos ou parentes que se dizem preocupados com o bem estar delas, quando na verdade, tudo gira em torno de um interesse não anunciado, de uma intenção não admitida, de um medo de que o maduro distribua a estranhos o que possa lhes garantir uma tranquilidade que na verdade não lhes é de direito. Se é que me faço entender. Não gosto de falar dessas coisas feias, mas elas existem e muitos de nós deixamos de viver o presente em felicidade, para garantir um futuro a alguém que às vezes nem merece isso. Então, se você tem aquele dinheirinho guardado, a certeza que fez direitinho a sua parte, escolha como deseja viver, cuide de você. Certa vez ouvi de uma cliente um colocação bem interessante sobre herança: “Filho bom não precisa e filho ruim não merece“. Consciência determina o caminho.
Agora, se o problema a cerca da sua maturidade e da sua incapacidade de formar um par com alguém tem a ver com outras questões como o corpo envelhecido por exemplo, uma terapia apropriada pode devolver a você a segurança e a certeza de que para cada pé descalço existe um chinelo velho que vai servir. Alguma dúvida?
Se a questão for individualidade exagerada, o modelo “cada um na sua casa” pode resolver muito bem. De vez em quando, um programa juntos, um sexo gostoso pra aquecer a alma, um partilhar de conhecimentos e um até mais ver pode caber bem na sua medida.
Como tentei dizer acima, uma dosezinha de egoísmo ajuda bem na hora de escolher como passar todos os anos que ainda te restam e para ser o mais alegre e feliz possível.
Cheers!