Independência ou morte
De verdade, eu gosto mesmo é de falar de amor.
Gosto de dizer para as pessoas que me ouvem, que tudo é lindo, que o céu é infinito, que o mar é azul.
Gosto de falar da sorte, gosto de mostrar o quanto a alegria faz viver e rejuvenescer.
Gosto mesmo é de falar de amor. Como se amar não significasse nunca, nenhum ajuste para algum desajuste humano, quando um homem e uma mulher resolvem compartilhar a vida. Gosto mesmo é de sempre pensar, ingenuamente, que um casal pode ser feliz simplesmente.
Me esqueço, de verdade, que um casal que quer amar é a soma complicada, difícil, interminável e quase infinita de um mais um. Quase me esqueço o que cada um em sua singularidade representa no mundo e como representa o mundo.
E é aí que o universo aparece descolorido, realístico e impondo conceitos tão pequenos para seres que teriam tanto para serem felizes. É aí, neste mundo de interpretações que um casal perde seu referencial de felicidade que pouco tempo atrás o fenômeno do amor e sua química mágica e inocente criou. É diante de pré-juízos pobres, mas fortes como lanças com pontas envenenadas, que muitos casais se distanciam.
Um deles diz respeito ao mito da mulher independente. Ao paradoxo que cerca a vida da mulher independente e que só perde para o da mulher bonita.
Explico de forma simples, breve e popular.
Ela tem que ser bonita, mas ninguém pode gostar dela, olhar para ela. E ela não pode sorrir para ninguém, e também não pode ter alguém com quem se assuma um compromisso sem que para sempre sua beleza seja alvo de medo, desconfianças, inseguranças.
Ela tem que ser independente. Não pode incomodar. Nem emocionalmente, nem tão pouco em suas dúvidas. Não pode sentir ciúmes, não pode pedir carinho e nem ao menos precisar de ajuda financeira. Tem que trabalhar, mas não muito. Tem que ser a melhor amante, mas não pode ser resolvida sexualmente. Não, isso nem pensar.
Mas essa independência toda, paradoxalmente é exigida e repelida, revestida em uma película de um faz de conta que contenta, ainda que de mentirinha, alguém que não tem muita coragem nem de cuidar, nem tão pouco de deixar a mulher que supõe amar. Confuso, desgastante, cansativo. Perda de tempo dos momentos que poderiam ser bem vividos, em confusões que sempre dão em alguma tristeza.
Acho que os homens estão ficando malucos. A moça não pode precisar de nada. Muito menos de homem. Então, ela é quieta, bela, não o persegue não o cobra em nada, compreende todas suas limitações e ainda assim não está bom? Isso é mal sinal, dizem eles. Mulher independente dá medo. ‒ Homem, homem mesmo não gosta de mulher independente, daquelas que se viram sozinhas.
A moça é carinhosa, atenciosa, parceira, boa de cama e ainda assim não pede nada em troca.
‒ Não é possível, vai ver que ela não me ama, mulher esquisita.
Ela fica doente, carente, precisa de alguma coisa, tem um sonho para os dois, algum “anseiozinho” de felicidade para eles.
‒ Ô mulher chata, só sabe cobrar.
Um dia ela se cansa de tanta confusão e dá um “piti”.
‒ Ô mulher doida. Igualzinha a todas, só sabe me julgar e me colocar pra baixo.
Senhor me faz entender antes de eu continuar por aí a falar de amor.
Tem receita? Meninos, dizendo de bom coração:
Talvez um pouco menos de egoísmo, menos medo, um pouco mais de sensibilidade, uma verdade, uma pitada a mais de segurança, alguma coisa como amar sem esperar recompensas, talvez um trabalhinho em conhecer a parceira na sua essência e confiar nela e, quem sabe caiba ainda um naco de gratidão por ser ela, às vezes, muito às vezes, a pessoa que faz você feliz.
Trabalhoso!
A proposição de Erich Fromm do amor como uma arte não é mero jogo retórico, consiste na compreensão de que o amor não é uma situação acidental em que nele se “tropeça” quem for afortunado, é sim algo que, na qualidade de arte, exige conhecimento e esforço. E como toda arte para ser vivida precisa ser aprendida – como na música, pintura, marcenaria, artes da medicina ou da engenharia – tal não poderia ser diferente com a atividade de amar, o que envolve, portanto, dois domínios que devem estar interpenetrados: o da teoria e o da prática (FROMM, 2006)